FALANDO SÉRIO

DE COISAS POUCO SÉRIAS E DE COISAS MUITO SÉRIAS QUE ACONTECEM E QUE NÃO ACONTECEM DURANTE A CAMPANHA PARA AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES

 

 

 

 

***

O gato preto cruzou a estrada, passou por debaixo da escada… Bailam corujas e pirilampos entre os sacis e as fadas. E, lá no fundo azul, na noite da floresta, a Lua iluminou a dança, a roda, a festa.” – “O Vira” de João Ricardo & Luli (Secos e Molhados).

***

 

 

      É fim de semana, eu bem sei disso, fazer nada é muito bom, descansar é preciso, também disso estou sabendo, mas peço licença, muitas desculpas e me atrevo a me intrometer nisso tudo com mais um texto muito longo e indigesto que só interessará a quem sabe que viver também é preciso e que viver é lutar – inclusive nos sábados, nos domingos e nos feriados. Porque o tempo é muito curto e muito rápido.

 

      Muito bem, vamos lá. Vamos em frente, porque depois de nós virá muita gente.

 

      Por mais criativos que sejamos – e a criatividade bem que nos pode ser útil em alguns momentos, mas não em todos e qualquer um – para que possamos refletir seriamente em alguma coisa é preciso que essa coisa esteja bem fincada na realidade ou com ela tenha algum vínculo. Caso contrário não produziremos qualquer raciocínio útil, muito menos produziremos algum raciocínio político útil – produziremos emoções, inventaremos histórias, brincaremos de faz de conta, daremos asas a nossas fantasias sem perceber que, por vezes, passando de certos limites, elas se transformam em alucinações. Por outro lado, é fato notório, e faz tempo que esse fato se vem comprovando, que nós, o povo brasileiro de todas as regiões e de todos os níveis sociais, sofremos de uma inexplicável e visceral atração por coisas muito estranhas, racionalmente inexplicáveis. Conforme sempre digo, somos apenas aprendizes, uma vez que de nada somos precursores, e, assim, é bem provável que essa seja uma tendência “antipolítica” (?) radical ocidental à qual aderimos de alegres. Mas o fato é que, especialmente em certos guetos considerados iluminados, aceitar a realidade sempre nos foi muito difícil – quase que a rejeitamos por completo, como se, com isso, ela se pudesse resolver. E, não mantendo os pés no chão, freqüentemente nos lançamos a vôos imaginários fantásticos para, em seguida, verificar que teriam sido apenas mais um tropeço que resultou em mais um tombo.

 

      Mesmo assim, não perdemos a mania insana, suicida, de flertar com espectros que imaginamos mover-se à sombra das árvores em noite de Lua nova, ouvimos no barulho do vento nas folhas e nas frestas das vidraças velhas fórmulas “mágicas” sussurradas como se fossem também muito novas, inclusive aquelas, muito perversas, que nos incitam a manter a fé na “força do pensamento positivo”. A esses espectros emprestamos existência real e empenhamos a alma acreditando que sejam capazes de esconjurar nossas mazelas. Muito embora sejamos plenamente capazes de ver que, à luz do dia, eles desaparecem e não são capazes dar solução a qualquer problema real, faz tempo que somos absolutamente incapazes de agir e de reagir como adultos bem equilibrados, de avaliar a dimensão e a gravidade de qualquer transtorno que porventura nos ameace, de tentar resolvê-lo, nós mesmos, com consciência, e de assumir responsabilidades. Mas nos iludimos porque queremos nos iludir.

 

      Estamos às vésperas de uma eleição para a Presidência da República. A campanha de todos os candidatos rola em torno de uma única palavra: “mudanças”. Expressa ou veladamente, inclusive a dos absolutamente inexpressivos em termos de eleitorado, sem qualquer chance de vitória – que, nas atuais circunstâncias mais atrapalham do que ajudam e que, se propostas razoáveis enunciam, mais e melhor fariam se pretendessem um cargo legislativo. E a disputa real se dá entre três nomes, apontados por seus Partidos e apoiados por outros tantos que têm, cada qual, seu próprio programa, bem feito ou mal feito, minimamente pertinente ou não às nossas necessidades, tanto faz. Todos os candidatos “querem mudanças”. De que para que exatamente seriam essas mudanças, pouco nos importa, não sabemos e temos raiva de quem sabe – nós todos também “queremos mudanças”. Até parece que assistimos a uma propaganda comercial da Lusitana, a que roda enquanto o mundo gira. À palavra “mudanças” – que substituiu no imaginário de alguns setores aquela outra, “revolução”, que também a muitos de nós parecia mágica – atribui-se o dom de produzir algum milagre também por efeito dela mesma, a palavra, nada mais.

 

      O importante agora e sempre será escolher em quem votar “sem errar”. Desde que, porém, “respeitando a vontade do povo brasileiro”, ou seja, de acordo com nossas tendências visionárias e místicas, passou a constar necessariamente do currículo exigido dos candidatos a sua fé de mais ou a sua fé de menos em forças sobrenaturais, sejam elas quais forem, do curupira aos deuses da Babilônia, até o mais descrente dos descrentes dirá ao povo que apenas dessas forças depende o nosso futuro, futuro esse que também só a elas pertence. Com o que a responsabilidade dos dirigentes eleitos e também a dos eleitores desaparecem por completo do rol das variáveis a considerar.  

 

      Alguns dias depois do acidente ocorrido em Santos, já no dia 18, eu comentava no facebook que o mais interessante naquele momento estava sendo acompanhar o processo de canonização do neto de Arraes imediatamente desencadeado pela mídia após sua morte, da qual seria beneficiária uma Marina Silva declaradamente evangélica já então travestida por seus asseclas de virgem vestal encarregada de manter um fogo sagrado. Esse processo se desenrolava apresentando não milagres já realizados, mas aqueles que o teriam sido caso aquele que se colocava como azarão no páreo, o 3º colocado nas pesquisas, conseguisse fazer o também milagre, em benefício próprio, de ser eleito. E houvesse “histórias do se” para embalar os crentes.

 

      Uma tendência à divinização dos azares do cotidiano, tanto dos extraordinários quanto dos mais que corriqueiros, observa-se em todas as campanhas atuais, mas com muito mais ênfase e eficácia na insistente, aliás, a bem dizer “tradicional” campanha de Marina Silva em prol de si mesma, desde sempre desvinculada dos programas das legendas nas quais encosta e, agora, adequada à sua reiterada tentativa de alcançar a Presidência. A candidata, cuja personalidade bastante complicada sem ser intrigante já tive a pachorra de comentar (www.minhatrincheira.com.br/os-ungidos-e-seus-rebanhos/), ao que tudo indica depois de conversar com seus assessores, os gênios das florestas do mundo inteiro, saiu-se, durante o velório de Eduardo Campos, com esta pérola: “Essas coisas acontecem em nome de algo maior” (www.brasil247.com/pt/247/brasil/150449/Marina-essas-coisas-acontecem-em-nome-de-algo-maior.htm).

 

      Nessa mesma linha, um texto mais recente na Folha de S.Paulo graciosamente pontificou: “há semelhanças entre Marina Silva e Itamar Franco, que, contrariando expectativas, se tornou o homem certo na hora certa. Não só Deus, também a história e a política muitas vezes escrevem certo por linhas tortas.” (www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/182153-itamarina.shtml). Com o que tudo já estará resolvido. Para que nos preocupar? Com quê? O nosso destino se encontra escrito nas estrelas… Às vezes, quem as lê se engana na leitura, mas… Que o resto seja também apenas festa.

 

      O patusco fenômeno também podia ser encontrado em alguns comentários contrários à eleição da candidata, que apenas lamentavam a morte de Eduardo Campos porque este teria sido o candidato mais iluminado, o único adequado a resolver nossos problemas todos. Na mesma Folha de S.Paulo, um texto lamentoso nos dizia que “Campos reunia em si traços de ambas as facções [PT e PSDB]. Era um gestor moderno, capaz de dialogar com o empresariado sem tratá-lo como ladrão e, também, pela própria herança familiar, um político tocado pela desigualdade social. … Marina é uma incógnita. Fora Deus, não tenho ideia de que alianças faria. É uma terceira via arriscada, por demais radical. Em nome do que os Arraes representaram, ou poderiam representar para o país, a Rede, o PSB, o PT e o PSDB bem que podiam ter a coragem de promover uma aproximação partidária. A ausência trágica de Campos deveria contribuir para livrar o debate do revanchismo. Isso sim, seria uma mudança importante, uma grande virada política. A prova de que os vermes não nos corroem em vão.” (www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/181757-os-vermes.shtml). Muito bem. Se Campos fosse eleito, teríamos a conciliação. Mais conciliação. Conciliação de que com quê? Ou de quem com quem? Dos radicais ladrões de cavalos com os xerifes radicais? Das trapalhadas com as marmeladas? Para quê? Para que a gosma que hoje define a Política nacional continuasse sendo mais esparramada? Em benefício de quê? Em benefício de quem? Por que não criamos, então, um Partido único?

 

      O resultado do IBOPE, recém divulgado, e o do Datafolha, ainda mais recente, refletem muito bem a patuscada. E sejamos justos com os que identificamos como nossos adversários: realmente, conforme nos diz um artigo recente de Josias de Souza (josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/08/26/tese-de-que-comocao-impulsiona-marina-e-falsa/), Marina não “sobe graças à comoção que a morte de seu ex-companheiro de chapa ateou no eleitorado“. Não, mesmo. Marina alça vôo com as asas que a mídia lhe empresta. Comovido ou não comovido, o eleitorado supersticioso de Marina, de alta ou baixa renda, educado na “doutrina que se caracteriza por privilegiar a importância ética, psicológica ou metafísica da vontade em relação às disposições intelectuais humanas” que, segundo as palavras de um dicionário, resume-se na palavra “voluntarismo”, apenas aposta na farelice mágica que teria o poder de espantar qualquer mau-olhado. Voluntarismo não é sinônimo de força de vontade, que permite que superemos nossos vícios, e não se confunde com qualquer virtude. Mas explica por que foi possível à candidata declamar com sua vozinha estridente em palanque televisivo um poema composto a respeito das eleições de 2010, quando se colocou em 3º lugar no Acre, onde se lançou na Política:  “É muito difícil ser profeta em sua própria terra” … “Não fui filha de políticos tradicionais, nem de empresários. Não tinha condições de pagar rádios, mídias para que falassem bem de mim” … “Não é culpa dos acrianos é culpa das circunstâncias” (www.infomoney.com.br/mercados/eleicoes/noticia/3543898/jornal-nacional-marina-silva-fala-sobre-divergencias-com-vice-explica).

 

      A imagem franzina Marina dificilmente sugeriria a de uma profetiza dos caminhos que levam à Terra Prometida – mas só lhe falta à campanha uma foto com suas echarpes esvoaçando ao vento e um cajado na mão; e não só a população ignorante compra a idéia de que as águas turvas que nos hoje afogam serão obedientes e se afastarão a um virtuoso gesto seu, como grande parte da “intelectualidade” semiletrada nacional, hábil construtora de mitos, dos locutores de noticiários no rádio e na TV aos analistas políticos nos grandes jornais, dos provectos entrevistadores aos animadores de auditório, além de boa parte dos nossos atores, cantores, humoristas, escritores e até mesmo um astronauta… adotou-a como filha dileta, acalanta-a no colo, exibe-a como o Rei Leão exibiu seu pimpolho aos habitantes da selva e dela tem falado é muito, e muito bem. Dessa forma, não espanta que se tenha criado “um clima de quase favoritismo da candidata do PSB que está refletido na alta do Ibovespa nos últimos dias. Assim, o mercado está “comprando” a candidatura de Marina apesar do seu passado petista e de esquerda, das dificuldades que teria para formar uma base de apoio parlamentar como presidente e de possíveis conflitos entre sua postura ambiental e os interesses do agronegócio e o andamento mais célere dos projetos de infraestrutura e energia” (blogs.estadao.com.br/fernando-dantas/por-que-o-mercado-comprou-marina/)  

 

      “Coisas acontecem”, sim, mas nem sempre e não necessariamente “em nome de algo maior”. Nem mesmo “algo maior” será necessariamente algo novo ou, muito menos, algo melhor. Eduardo Campos não estava em um real campo de batalha como os que os Soldados enfrentam, nas guerras cruentas entre os Estados. Esses, sim, podem alegar que morrem para nos salvar, porque, pondo em risco suas próprias vidas, buscam – ou crêem buscar – garantir a liberdade de seus povos contra aqueles que os querem submeter. Nada nos diz, porém, muito menos algo nos confirma que a morte de Campos terá acontecido em nome de coisa maior, melhor ou diferente. Campos morreu porque morreu, e, para que alguém morra, basta que esteja vivo; Campos não se deixou morrer para nos redimir como se ele mesmo acreditasse que sua morte pudesse ser redentora. E, quando vivo, não poderíamos saber como teria sido o seu governo, caso, em uma hipótese remota, fosse eleito. Qualquer especulação seria mera especulação. O mesmo podemos dizer a respeito “do que os Arraes representaram, ou poderiam representar para o país”. Que teria sido, além da agitação provocada pelo avô do candidato falecido, que pôde, esta sim, ser observada e conferida, e, assim, pôde ser controlada?

 

      Morto Campos, a única “coisa” que “aconteceu” na realidade além de sua morte foi que seu nome viu-se imediatamente substituído como representante de uma sigla partidária cujo “programa” já era mais que suspeito. Foi substituído por Marina, ex-seringueira, ex-sindicalista, que entrou no PT quando quis candidatar-se a cargo público, e depois saiu do PT; que entrou no PV e depois, para criar a sua própria legenda sob a qual os que a acompanhavam nesse movimento estariam “todos juntos … com pessoas de outros partidos, com pessoas de nenhum partido“,  saiu do PV, afirmando que era “hora de ser ‘sonhático’”, não mais “de ser pragmático” (g1.globo.com/politica/noticia/2011/07/nao-e-hora-de-ser-pragmatico-diz-marina-silva-ao-anunciar-saida-do-pv.html); que, não o conseguindo, conchavou com o PSB e hoje vem sendo exposta nas vitrines das boas lojas do ramo e nos tabuleiros dos camelôs como máximo ícone tupiniquim da aversão à Política. E Marina pôde nos dizer que “coisas acontecem” bem sabendo do que bem sabemos todos nós: que a mídia, sempre se querendo fazer de “providência divina”, esforça-se ao máximo para que determinadas coisas aconteçam e outras não.

 

      E a única “coisa” que, na realidade, “aconteceu” com Marina Silva, que filiando-se ao PSB não conseguiu, por esse expediente, ser indicada como cabeça de chapa, foi ter ela recebido um golpe do acaso – com ele, galgou, naturalmente, a uma candidatura à Presidência da República, nada mais. Não por ser a pessoa certa que, no momento certo, estivesse no lugar certo, mas apenas por puro acaso. Isso na realidade.

 

      Na realidade, também, a candidata que Zé Dirceu aponta como sendo “Lula de saias”; que substitui a expressão velhaca e desgastada do “nosso timoneiro” por um ar de ingenuidade que, somado à sua silhueta delgada e ao seu coquinho, faz que mais se assemelhe à Olívia Palito das histórias em quadrinhos criadas para nos distrair; cujas frases “carismáticas” parecem inspirar-se exatamente naquelas típicas do marinheiro Popeye (os nossos vizinhos dirão “marinero”) – “Eu sou o que sou e isso é tudo o que eu sou!“, “Sou forte até o fim com espinafre pra mim!“, “Já agüentei o que pude, não agüento mais!“…; que promete levar a desfilar nas passarelas do País inteiro as “novas” criações de pessoas (que serão mais importantes que as instituições) tais como Erundina, Eduardo Suplicy, Pedro Simões, Eduardo Gianetti, André Lara Resende e outros tantos estilistas do mesmo calado; que é incapaz de coincidir em qualquer consideração a respeito de qualquer assunto com seu próprio companheiro de chapa, o candidato a vice (www.infomoney.com.br/mercados/eleicoes/noticia/3543898/jornal-nacional-marina-silva-fala-sobre-divergencias-com-vice-explica); que assustava e agora “tranqüiliza” e “conforta” o mercado (politica.estadao.com.br/noticias/geral,delgado-linha-economica-de-marina-confortara-mercado,1551705) … continua sendo a mesma Marina Silva de sempre, com o mesmo discurso descoordenado, atada aos seus mesmos projetos pseudo-universais e aos seus mesmos compromissos internacionais que caracterizaram suas campanhas anteriores a cargos menores. Nada maior, nada melhor, nada diferente. 

 

     Se a híbrida candidata nos diz que “não desiste do Brasil”, não desistirá porque de repente compreende o que seja de fato aquilo com o que está pretendendo lidar ou porque mantém as mesmas ambições, as mesmas pretensões e as mesmas razões que a fizeram pular de galho em galho durante sua vida pública conforme suas próprias conveniências (e a de misteriosas forças do universo, em sentido estrito e amplo), e a fizeram candidatar-se das outras vezes e também desta vez, dependurando-se sucessivamente em diferentes Partidos políticos com os quais sempre conflitou, pois o seu Partido de fato é o “Partido de Marina”, nenhum outro? Ela não desiste do Brasil ou não admite que o Brasil desista dela?

 

      Aceitar a realidade é algo muito difícil para a maioria das pessoas de muito boa vontade. Muito mais fácil será aceitar a fantasia. Na fantasia, o reflexo dos atributos de Marina serão outros, bem outros quinhentos mil réis. Marina, que é mulher, é mestiça, é simpatizante de tendências libertárias, é eco-participativa, que só na adolescência superou o analfabetismo, que deu a volta por cima da pobreza e dos problemas de saúde, que cultiva um olhar duro e firme ao mesmo tempo que seu físico dá impressão de fragilidade e evoca o sofrimentos dos mártires, que é capaz de ser flagrada em sorrisos abertos exibindo dentes impecáveis, que é temente ao Criador, e, segundo suas próprias confissões públicas, foi iluminada por algo como um relâmpago que apareceu em sua mente, reunirá em sua única pessoa tudo o que de mais puro e mais bem intencionado poder-se-ia reunir. Para quem gosta criar, de representar e de acompanhar novelas, Marina será o modelo perfeito de heroína – idealista, proba, desambiciosa, generosa. Pouco importará que a herdeira de um grande Banco (Neca Setúbal – Itaú) seja uma das principais doadoras de um Instituto, registrado em nome da candidata, que lhe permite faturar algo como R$ 41 mil mensais que empresas e entidades diversas investem em suas palestras tão esclarecedoras (“Em 2014, por causa das eleições, Marina assinou só um contrato de R$ 132,6 mil para apresentações em quatro países da América do Sul” – www1.folha.uol.com.br/poder/2014/08/1508623-marina-ganhou-r-16-milhoes-com-palestras-em-tres-anos.shtml). O noticiário diário preencherá as lacunas decorrentes do desinteresse generalizado pela Política não só acentuando a violência cotidiana que atribuirá à revolta e ao ódio generalizados da população contra tudo e contra todos como também destacando as bravatas da candidata. Apostando todas as suas fichas no 40-vermelho, induz a população a escolher o candidato mais vermelho. E, assim, a vitória-régia que pretende florescer em todas as águas tumultuadas e furiosas do território nacional lança raízes das praias às montanhas, do Sertão até os Pampas. O resultado disso, a lógica tostines se encarrega de explicar: Marina será a mais badalada porque é a preferida e será a preferida porque é a mais badalada.

 

      Mas, apesar de que aceitar a realidade seja algo muito difícil para a maioria das pessoas de muito boa vontade, entre todas essas “coisas” que “acontecem” e outras que não acontecem, de algumas poucas podemos ter, ainda, alguma certeza:

 

      1. a de que não temos a mais mínima idéia de que País teremos seja quem for o eleito em Outubro. E não teremos como e com que comparar porque não sabemos que País queremos. Talvez saibamos o que não queremos, um que seja padrão Burundi, tudo bem, mas até disso eu duvido. Pois nossa cultura vem sendo jogada às baratas, com nossa aquiescência, todos os dias, cada dia mais um pouco, em benefício do que mais incivilizado e rudimentar existe sobre a face da Terra. Nem sequer a nossa linguagem soubemos ou queremos preservar (e alguém já comentou: “até as letras nós deixamos que nos sejam roubadas!” – cf. educacao.uol.com.br/noticias/2014/08/20/senado-discute-fim-do-c-ch-e-ss-na-lingua-portuguesa.htm);

 

      2. a de que as manifestações de rua que foram conclamadas, com todo o transtorno que provocaram, não resultaram em qualquer organização além daquela que as conclamou. Quem estava clamando por “mudanças” não conseguiu ver realizada uma única sequer. Porque mudanças que nos sejam adequadas e úteis apenas se realizarão com muita organização, elas exigem estrutura, não desestrutura, não gritaria, desaforos e vandalismo, exigem esclarecimento e serenidade, implicam a promoção de um debate constante inteligentemente pautado para que não nos transformemos em massa de manobra de mal intencionados;

 

      3. a de que o Brasil não é um Estado que tenha nascido por combustão espontânea – ele tem uma história que precisamos respeitar. Ele não é o nosso quintal nem é o quintal de seja lá quem for, e, não o sendo, não poderá prosseguir sendo administrado como se fosse um acampamento cigano, uma taba indígena, uma província da tal América Latina inventada pelo “realismo fantástico”, um município ou um subúrbio do “mundo globalizado”; é um País que conta com milhões de analfabetos e outros milhões de semiletrados – não poderá, pois, ter privilégios e negócios escusos particulares e/ou públicos ou compromissos com interesses comerciais e econômico-financeiros supranacionais legitimados através de plebiscitos freqüentes só porque uma democracia direta alguma vez foi experimentada por poucos cidadãos muito bem formados da antiga Grécia e a consideramos muito bonita;

 

      4. a de que o Brasil é um Estado Nacional em um mundo essencialmente político composto por Estados Nacionais. Deve exibir e exercer a sua soberania como os demais a exibem e exercem – em questões eminentemente políticas, não nas de compadrio; tem instituições que precisam ser fortalecidas, não adaptadas, não atamancadas; deve cuidar para que a Educação eleve de fato cada vez mais o maior número de cidadãos, não nivelando todos no mais baixo grau de cada um, ainda que isso nos possa parecer mais tolerante e muito democrático, e não obrigando a que as crianças do meio urbano se mantenham em regime de semi-internato sem necessidade, vulneráveis a uma catequese municipalista ou ainda mais obtusa, enquanto as do meio rural ou não têm Escolas ou a têm para aprender como invadir propriedades; deve cuidar para que a Saúde seja levada a sério com medidas saneadoras dos rios, das praias, dos bairros clandestinos e dos demais  espaços públicos, com enfermagem de qualidade, hospitais bem equipados e pesquisa bem orientada além de médicos bem formados, não apenas supostamente dedicados ou carinhosos. O Brasil tem um território repleto de recursos naturais e culturais que clama por infraestrutura adequada, que deve ser defendido com unhas e dentes por suas Forças Armadas, que estão em petição de miséria, que está repleto de recursos humanos, indivíduos que deverão ter segurança suficiente oferecida por uma Polícia bem educada mas também muito bem equipada para que os brasileiros possam transitar livremente por esse território, não apenas os narcotraficantes, os guerrilheiros vizinhos e os “embaixadores da paz”. Ele é o nosso Estado, a casa primordial de nossa gente, e todos e cada um de nós devemos tentar salvá-lo das garras dos que manifestam objetivos alheios a nós mesmos, ainda que possam alegar compromissos com uma supostamente “nova” e “mais correta” ética universal que regeria uma desejável governança mundial supostamente impoluta;

 

      5. a de que tudo isso nos é necessário. Por quê? Porque não temos alternativa. Este é o único pedaço que de fato e de direito nos pertence, onde poderemos ter nossos direitos de fato garantidos. O resto do mundo já foi loteado, cada parcela tem seu dono e todas elas são muito bem guardadas contra os que possam ser seus eventuais inimigos e não exatamente para o desfrute irresponsável dos eventuais “amigos”. Ou ninguém mais quer saber do que se passa lá fora? Esta também é a realidade, por menos bonita ou menos justa que ela nos pareça. E, por mais parlapatões que possamos ser, não teremos, jamais, poder capaz de alterá-la;

 

      6. a de que, sendo ou não sendo uma verdade absoluta (o que, de verdade, não vem absolutamente ao caso) que o futuro depende de uma escrita prévia de “Deus”, ou da “História” ou até mesmo da “Política”, que esse futuro depende de quem “escreve certo por linhas tortas”, que se faz conforme uma vontade ignota e superior a tudo e a todos que solenemente dispensará nossos cuidados (tal como nos sugere a moça que assina o artigo citado no começo disto aqui), se desejamos fazer parte de algum futuro ou mesmo apenas gozar de algum futuro que nos possa ser concedido, será preciso procurar programá-lo e saber lidar com ele, ou seja, procurar saber como administrar os imprevistos da melhor forma.

 

      Então, pensemos um pouco: com a reeleição de Rousseff que “coisa” poderá “acontecer”? Que “mudará”? Nada. Aprofundar-se-ão as condições que nos estão impostas e a “mudança” será apenas de grau. E a eleição de Aécio, que “coisa” a eleição de Aécio faria “acontecer”? Que “mudaria”?  

 

      Utilizando uma analogia com o que inspira as metáforas tão ao gosto daquele que inventou que Rousseff era uma estadista, colocando-a na função de “guardar o lugar” que o bolivarianismo lhe poderá garantir perpetuamente a partir de 2018, aquele mesmo que Marina até hoje chama de “presidente”, diria eu que se alteraria a composição do time que entrasse em campo, apesar de que seja um time que já tão bem conhecemos. Não mudaria o País, nem o povo, nem a ganância dos gananciosos, nem as regras do jogo já determinadas pelo Congresso, portanto, não mudaria muita coisa. Não estou falando de Aécio, do caráter de Aécio, das idéias de Aécio, da família de Aécio – não conheço Aécio, o indivíduo, nem me importará conhecer. Porque Aécio não nos poderá governar sozinho. O Partido pelo qual Aécio se elegerá é exatamente aquele que facilitou, com sua própria irresponsabilidade e sua própria demagogia, por oito longos anos, as condições para que atingíssemos o deplorável estado atual da Política nacional. O vice de Aécio é tão ex-terrorista quanto Rousseff e Dirceu. As alianças do PSDB, assim como as das demais agremiações que lançaram seus candidatos, são realizadas com os mesmos Partidos e os mesmos indivíduos que os compõem, os que já determinam hoje os rumos da Política nacional. Fosse ele sério de fato, composto apenas por indivíduos de fato sérios, teria um programa sério, faria gestões sérias e o País já teria tido a chance de hoje ser bem diferente. E nessa realidade se fazem as promessas eleitorais.

 

      A eleição de Aécio nos permitirá, porém, um tempo. Porque o atropelado processo que nos vem acumulando apenas perdas sobre perdas, fracassos sobre fracassos, há muito desencadeado, há de interromper-se por um breve intervalo, há de fazer uma pausa para se rearticular e se reabastecer. E tudo aquilo de que mais precisamos hoje é de tempo. De que forma o aproveitaremos? Isso depende apenas de nós. Não temos, mas se tivéssemos algum poder de fato, poderíamos exigir, tão logo o novo time respirasse um pouco após a corrida das eleições, que ele tirasse fora as suas e recolhesse as nossas camisas cor “de burro quando foge” já encharcadas de nossos sangue, suor e lágrimas tão inutilmente desperdiçados na arquibancada, e não só vestisse como começasse a distribuir a todos uma camisa limpa, verde-e-amarela de verdade, sem manchas negras, vermelhas, marrons de lama ou seja lá de que estranha cor fossem essas manchas porque manchas são. Mas, desde que, aproveitando o calor pós-eleitoral, continuássemos a nossa campanha – não meramente em louvor ao que os Neves representam ou “poderiam representar para o país”, não mais a dos candidatos eleitos ou derrotados, não a serviço de agremiações profissionais eleitorais, suas lideranças, suas idéias loucas ou inconsistentes, suas vaidades e seus interesses particulares, não em benefício de corporações ou especialíssimas “comunidades”, procurando mais e mais nos esclarecer das nossas reais necessidades, do efetivo potencial e das possibilidades reais de nosso País, assim como dos seus reais impedimentos – e desde que nos empenhássemos em nos organizar em nosso efetivo benefício, o que já deveríamos ter tratado de fazer desde sempre, estaríamos produzindo um salto de qualidade em nosso afã político. Desde que nos organizando, insisto, sob condições e interesses efetivamente nacionais com um mínimo de articulação necessária. 

 

      Por isso, não mais que por isso, para os mais pretensamente lúcidos de nós, eleger Aécio Neves parece ser o único caminho que nos permite a esperança, ainda que pequena, de obtermos um País diferente e melhor. Porque os compromissos assumidos pelo Governo dos que eventualmente retornarem a Brasília serão necessariamente outros; porque, mesmo não sendo os ideais, serão diferentes dos que agora nos vêm levando a um mergulho fatal ao fundo do poço em velocidade vertiginosa; porque, alinhavados nas promessas de bastidores, ainda não terão sido bem costurados, e porque teremos oportunidade de discutir seus resultados com efetiva seriedade, com efetiva profundidade. A eleição de Aécio é a única “coisa” que, “acontecendo”, nos permitirá manter, por algum tempo mais, alguma esperança de poder mudar os rumos que o País tomou nos últimos anos, que só nos conduzem ao nada – o que nos será negado caso Rousseff, a autoritária candidata dos “companheiros” do Partido autoritário que se quer perpetuar no poder, tomando posse do Estado, ou Marina Silva, a candidata ungida dos promotores de quermesses de bairro, ou o candidato de qualquer de suas linhas auxiliares igualmente autoritárias e/ou festeiras sejam eleitos e prossigam fazendo das suas.

 

       Antes, pois, que os atuais compromissos já assumidos mais se consolidem, tornem-se pétreos e mais nos causem danos, a eleição de Aécio apenas nos permitirá um tempo a mais, que poderemos aproveitar ou não, bem ou mal, mas nos estará disponível. Um tempo a mais não para conciliar com o inconciliável, mas para respirar sem pressões, para discutir e articular nossos projetos, nossas expectativas, nossas idéias, que vêm sendo sufocadas e abortadas pelas “faltas” grosseiras cometidas por aqueles que, com auxílio de juízes e bandeirinhas, puseram a bola debaixo do braço e a levaram pra casa nos deixando a ver navios (ou a ver marinas), e nunca foram punidos como todos os malfeitores públicos ou privados deveriam ser. A eleição de Aécio permite que o processo rumo ao abismo se interrompa por um breve momento que nos poderá ser crucial, predispondo-nos não para assistir a uma prorrogação, mas para que reunamos condições para iniciar um outro jogo que possa ser diferente.

 

      Portanto, mesmo que deixemos a campanha de quem for rolar ao gosto da maioria, compreendamos, nós, que, além de não ser hora de tentar ver no neto de Arraes um mártir redentor e de não ser hora de tentar ver em Marina uma guardiã do fogo sagrado, muito menos será hora de ver no neto de Tancredo um santo guerreiro que matará o dragão, pois o dragão o leva pela coleira – é hora apenas de tentarmos aproveitar a oportunidade que este último nos oferece mesmo que a contragosto. É hora de deixarmos os interesses pequenos de lado, de começar a encarar o nosso País com seriedade, com vontade, com decisão, com realismo, com coragem. Nas mínimas atitudes, nos mais tênues pensamentos. Sem desistir, nós mesmos, do Brasil pela simples razão de que não devemos desistir de nós mesmos, que somos de fato o Brasil, e do que nosso é. Ou nunca mais teremos essa oportunidade, pois o tempo voa, e o resultado dos critérios de representatividade determinados pelo bolivariano Decreto 8.243 parido por Dilma Rousseff, que goza do grande entusiasmo de Marina Silva, nada mais nos permitirá fazer.

 

      Deixemos, portanto, de lado também a fé cega em qualquer resultado “avassalador”, como foi anunciado pela mídia, que já tenha sido ou possa vir a ser publicado em favor da candidata do PSB em pesquisas de opinião. Deixemos de lado as torcidas que, se fossem em um jogo de futebol, em uma disputa entre Escolas de Samba, em uma eleição para Miss Brasil, até daria para considerar interessantes, embora elas estejam mais animadas por aqueles diretamente nelas interessados, sejam “sonháticos” ou pragmáticos, que pela população. Deixemos de lado o desânimo que nos queira abater por não vermos claramente a luz no fim desse túnel que precisamos atravessar com muita determinação. Sendo o destino político nacional o que está em jogo, entusiasmo, desânimo ou desespero são apenas espetáculos muito feios, absolutamente irresponsáveis, de uma imensa pobreza de espírito, de uma tristeza infinita… que haverá de apenas divertir aqueles que o assistem bem sentados no resto do mundo.

 

      O importante é que não podemos permanecer, em nenhuma hipótese, nem mais um único segundo sequer, tão ignorantes do que seja a Política real tal como nos temos demonstrado, confundindo Estado com Governos ou com governantes, com Partidos ou com militantes. Se é que somos capazes de vencer as ondas de apatia de mais uma ressaca pós-eleitoral, se é que queremos de fato alguma mudança, esta, e apenas esta, é a mudança que devemos desejar, que nos poderia beneficiar: uma mudança em nossa percepção, uma mudança em nossa disposição, uma mudança em nosso comportamento.

 

 

  

 

 

 

 

 ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~