OS UNGIDOS E SEUS REBANHOS

 

 

 

– introdução

 

       1. “Pesquisa feita pelo Ibope, encomendada pela “Rede Globo” e pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, divulgada nesta quinta-feira [24 de Outubro], mostra que a presidente Dilma Rousseff (PT) se reelegeria no 1º turno em praticamente todos os cenários possíveis para a disputa eleitoral de 2014. … A pesquisa também simulou um eventual segundo turno entre Dilma e seus principais adversários. A presidente tem 42% das intenções contra Marina, que aparece com 29% … contra Aécio, Dilma alcança 47% ante 19% do adversário… tem 45% das intenções contra 18% do governador de Pernambuco … Contra Serra, que já foi derrotado pela petista em 2010, Dilma aparece com 44% e o tucano com 23% … A última pesquisa feita pelo Ibope, divulgada em 26 de setembro…a presidente tinha 38% das intenções, contra 22% de Marina, 13% de Aécio e 5% de Campos.”

http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/10/24/dilma-se-reelegeria-no-1-turno-em-qualquer-cenario-mostra-ibope.htm

 

      Sem comentários.

 

      2. No último dia 02, já de Novembro, o UOL publicou um álbum de fotos com a seguinte legenda: “Gadgets não mudam o mundo, mas solucionam problemas pontuais. Os da lista, a seguir, podem ter pinta de ‘tabajara’ (linha de produtos inventada pelo ‘Casseta e Planeta’, extinto programa de humor da ‘TV Globo’), mas existem e, alguns deles, estão até disponíveis para venda”.

http://tecnologia.uol.com.br/album/2013/11/02/produtos-tabajara.htm?mobile

 

      E ninguém achou estranho.

 

      Até alguns poucos anos atrás, chamávamos de “engenhoca” tudo aquilo que fosse improvisado. Engenhocas seriam idéias, métodos, maquininhas, aparelhos, inclusive bastante complexos, que, mesmo que fossem úteis para alguma coisa, nada de muito importante significavam em termos de invenção ou inovação. E, mesmo que fossem inúteis, alguém haveria de se entusiasmar com elas e experimentá-las. Hoje, engenhocas são chamadas de gadgets. Como gadgets, as engenhocas ganham importância. Inclusive importância política. E, como para que surjam oportunamente, dependem de inspiração e de sensibilidade – e como inspiração se chamada de insight será mais inspirada que qualquer inspiração, e sensibilidade, se chamada de feeling, será, por certo, bem mais sensível que qualquer sensibilidade -, no mínimo, esses gadgets serão considerados mais sofisticados e muito mais inteligentes que qualquer engenhoca. Mas não deixam de ser engenhocas…  

 

      3. Em Recurso que apresentou ao STF, José Genuíno citou os comoventes versos de Pablo Milanés em “Canción por la Unidad Latinoamericana“, com os quais este se dedica a proclamar que “Bolívar lanzó una estrella que junto a Martí brilló, Fidel la dignificó, para andar por estas tierras” – versos esses que mereceram uma versão bastante medíocre, mas bem mais alegrezinha de Chico Buarque, um dos nossos intelectuais engajados. Não entendi muito bem se todos os versos foram salpicados no Recurso ou apenas foi citado um “Lo que brilla con luz propia nadie lo puede apagar” que prossegue com um “su brillo puede alcanzar la oscuridad de otras cosas”, em tradução literal.

http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/11/08/em-recurso-ao-stf-genoino-cita-musica-de-chico-buarque-e-diz-que-nao-e-bandoleiro.htm

 

      E ninguém estranhou.

 

      De “nosso”, há alguns anos, chamávamos tudo aquilo que se referia a nós mesmos, os brasileiros. E apenas o que se referia a nós mesmos. Tínhamos nossos poetas, nossos compositores, nossos escritores, nossos políticos, nossa história… bons, medíocres ou péssimos, mas eram nossos. Diziam de coisas nossas, talvez nem sempre e não exatamente do nosso jeito, mas diziam de coisas que eram ou deveriam ser nossas e disso ninguém duvidava. Hoje, nós, os indivíduos, nos julgamos supranacionais. Todos dizem do mundo. E somos todos poderosos, “não precisamos” do Estado, mesmo que não usemos um cartão de crédito. Fuçamos nossas árvores genealógicas à procura de um ascendente qualquer que nos permita ostentar o título de qualquer-coisa-brasileiro. Se possível, corremos a obter uma dupla nacionalidade. E, além de chamar engenhocas de gadgets, inspiração de insight e sensibilidade de feeling, podemos chorar emocionados sempre que ouvirmos os Beatles ou um soul, assim como cantar canções em qualquer idioma incorporando as ambições, a história, a experiência daqueles que, há alguns anos, chamávamos de “outros”, acreditando que sejam “nossas” e fazendo “nossas” essas ambições, história e experiência. Com muita fé. Assim ingressamos na tal “Humanidade”, que antes nos era negada. Tudo o que nos for muito particular, muito local, muito restrito, terá o solene direito a ser chamado de idiossincrasia, de “brasileirice”, seja autêntico, seja copiado e mal improvisado – que substitui o termo “caipirice” que poderia parecer ofensivo…

 

      4. No julgamento daquele mesmo Recurso, negando-o, mas desculpando-se quase aos prantos por negá-lo, Luís Roberto Barroso nos diria: “Temos um sistema político distorcido e perverso, indutor da criminalidade. De um lado há parlamentares eleitos em campanhas de custos estratosféricos que transformam o parlamento em um balcão de negócios. Só surpreendeu a quem não tinha olhos de ver o fato de que foram condenados nesse processo por corrupção passiva lideranças de vários Partidos políticos. E de outro lado foram condenados por corrupção ativa líderes do Governo querendo implementar a sua agenda política, reformas como a da previdência e tributária, e comprando aquilo que consideravam o interesse público. Essa a dura realidade. Um modelo político no qual o interesse público precisa freqüentemente ser comprado. Precisamos, não de uma agenda política, mas de uma agenda patriótica para desfazer essa armadilha histórica, que nos manterá atrasados, girando em círculos, incapazes de dar um salto moral para fora do pântano.” 

http://www.nacaojuridica.com.br/2013/08/por-unanimidade-ministros-do-stf-mantem.html

 

      E ninguém ficou surpreso com o que foi dito.

 

      Ora, quem tiver olhos de ver poderá encontrar neste País, muito bem montado, um sistema político distorcido e perverso, indutor da criminalidade. Quem, então, seríamos nós, os que temos, os que somos, os que criamos e mantemos esse sistema, os que induzimos, pois, à criminalidade? Se temos o que temos é porque somos o que somos. Que mais esperar de um povinho sem personalidade, sem história, distorcido, perverso, indutor da criminalidade, que não precisa de uma agenda política para ter uma agenda patriótica (?) senão um sistema distorcido, perverso, indutor da criminalidade?

 

      5. Já de Marina Silva, veremos transcrita a narrativa de uma experiência pessoal em um comentário sobre sua recente biografia – outra mais, além da que veio à luz em 2011, escrita por Sirkis. “… ao receber a unção com o óleo que sela a fronte dos doentes, Marina teve uma experiência mística. … ‘Foi como um relâmpago que apareceu na minha mente. … Nunca tinha tido uma experiência como aquela. … Senti uma coragem muito grande.’”  

http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2013/10/1351507-leia-trecho-de-biografia-de-marina-silva.shtml

 

      E ninguém se espantou com isso.

 

***

 

OS UNGIDOS E SEUS REBANHOS – (I/4)

 MARINA I E III      

               

      Dizem que a voz do povo é a voz de Deus. E a Deus se atribuem a bondade e a sabedoria supremas.

 

      Se soubermos distinguir a Política de uma prática religiosa amparada pela fé absoluta em algo absoluto, e soubermos distingui-la de uma aposta em jogos de azar, saberemos que, nela, não deveremos procurar milagres, nem mártires devotos, nem santos milagreiros, nem a sorte. E, se apontarmos alguém como capaz de nos governar, que isso não se faça porque esse alguém brilhe com luz própria ou seja ou esteja sendo iluminado. Devemos ser frios, racionais. O mais lógico será que, para nos governar, apontemos alguém cujas idéias a respeito do mundo, a respeito das coisas, a nosso respeito, nós aprovamos – porque, ideologicamente, encontramos certa afinidade entre o nosso pensamento e aquilo que esse alguém possa propor ou desejar fazer de nós. E isso nada tem a ver com nossos sonhos particulares – quando falarmos de Política, esse “nós” não será uma soma aritmética de todos os nossos “eus” – esse “nós” terá um significado político, público, um significado relativo ao Poder entre os Poderes, não um significado particular, individual, ou corporativo, ou de origem ou de grupo.

 

      Os atuais responsáveis e os candidatos a responsáveis por funções de administração da coisa pública terão algumas idéias a respeito da administração da coisa pública. Algumas idéias. Elas serão excelentes, boas, medíocres, más ou pérfidas. Ou nenhuma idéia terão, apesar de demonstrarem muito querer o Poder. Mas terão a apresentar uma trajetória pessoal, um conjunto de atitudes cronologicamente encadeadas que lhes permitiu, por suposto, ter pretensão a merecer a confiança do público para o exercício de uma função pública.

 

      A Lei pertence ao âmbito público, e não há leis privadas, em particular. O que for contra Lei será do interesse público apontar; quem for contra Lei será do interesse público punir. Mas a vida privada, a vida íntima dos indivíduos, mesmo a dos que se tornam pessoas públicas por qualquer motivo que seja, francamente, se interessa aos psicólogos, aos romancistas e aos barbeiros e às manicures do bairro, não deveria despertar qualquer interesse ou curiosidade. Marcos Palmeira, por exemplo, é figura pública porque é ator de cinema e televisão, e foi dito que Eduardo Campos o andou sondando para disputar o Palácio da Guanabara. Não fará falta ler a biografia de Marcos Palmeira para saber o que ele pensa e o que terá condições de fazer ou não fazer em âmbito público. Veja-se o que ele faz, ouça-se o que ele diz. Ronaldo Caiado, por outro exemplo, pode não ser brilhante, e nem suas idéias nem seu desempenho serão qualquer unanimidade nacional; mas representa um setor vital à nossa economia, setor que se vê bastante ameaçado pela demagogia dos últimos Governos. Caiado foi solenemente dispensado por Campos da sua lista de apoios por exigência de Marina ao dar-se o enlace entre esses dois. Algo, portanto, aproximará o político Eduardo Campos das artes de Marcos Palmeira e o afastará dos interesses de Ronaldo Caiado. Interessará ao público conhecer o que seja esse algo – e as razões pelas quais esse algo uniu ou separou pessoas públicas nos estarão imediatamente óbvias. Não interessarão, a ninguém, as recônditas razões emocionais pregressas que os fizeram preferir que esse algo se mantivesse cru, fosse frito ou fosse cozido.   

 

      Trazendo outros exemplos mais: eu cá não vou querer saber por que memória de infância, doce ou azeda, Maduro, o Presidente venezuelano – que diz que uma “guerra nacional e internacional” contra seu governo provoca e agrava a escassez de açúcar, café, azeite, leite e papel higiênico -, decidiu antecipar o Natal e criar um Vice-Ministério da Suprema Felicidade Social. Basta-me saber que há escassez de tudo e mais um pouco na Venezuela – o que não é brincadeira -, que o Natal, que tem data certa, foi por lá antecipado, e que um Vice-Ministério foi criado com um nome maluco, que mais parece uma brincadeira. Nem vou querer saber de quantos episódios anedóticos ou trágicos Ulisses Guimarães pôde participar em sua vida particular. Nem vou querer entender por que estranha razão os envolvidos no Mensalão nele se envolveram. Basta-me saber o resultado das artes políticas de Ulisses, ou saber quem esteve envolvido no Mensalão e o rombo que este significou. Não vou querer saber como terá sido a adolescência de Fernando Henrique Cardoso para entender por que cargas d’água ele namora ou deixa de namorar ou para tentar definir se lhe seria ou não adequado o perfil dessa eventual namorada. De Eduardo Campos, não preciso de saber se teve ou não teve uma babá na infância para tentar compreender o que o leva a ter “dificuldades em dar corpo a uma candidatura de continuidade em relação ao governo atual” ou em tentar encontrar e “apontar erros do governo para encontrar seu espaço, com cautela para não ser confundido com Aécio”.  Sei que, assim como Aécio, Campos quer o Poder federal. Basta-me saber disso e de como ele vem administrando Pernambuco. E, de Aécio Neves, basta-me saber que, por consideradas extraordinárias “visão estratégica e a capacidade de articulação política”, propôs que o Bolsa-Família se transforme em permanente “programa de Estado”. Isso me diz muito mais dele (e de quem comenta sua iniciativa) que saber que Tancredo teve um neto e que esse neto, algum dia em sua vida, brincou com trenzinhos ou soldadinhos de chumbo, ou poderá ter inspirado maiores ambições políticas ao avô. Não vou querer saber, tampouco, quantas vezes subiu em árvores ou galopou pelos Pampas, em sua juventude, Maria Tereza Goulart – viúva idosa que, além dos 480 salários mínimos antes recebidos como “reparação”, recebe 32 mil e 100 reais mensais de pensão acumulada (ex-presidente + anistiado político) isenta de impostos que os comuns dos mortais são obrigados a recolher aos cofres públicos – para procurar entender por que colabora com a “inteligência” oficial no sentido de tentar atribuir suspeitas sobre os responsáveis pelo Movimento de 1964 e incriminá-los por ter Jango sofrido um infarto. De Dilma Rousseff, pouco me importa sua ascendência búlgara, ou se, desde que nasceu, só terá participado de ações ditas “revolucionárias” porque aprendeu ou não a pular amarelinha ou a pular carniça – interessa-me como e por que foi eleita Presidente e o que vem fazendo com o meu País. O que já é muito. E será suficiente para que me assombre o grave temor de que, em breve, vejamos nomeado mais um Ministro em seu Governo – o da Suprema Felicidade Social.

 

      E por aí vai a coisa. O que figuras públicas pensam estará expresso claramente em seus atos, no que elas fazem. Elas não se transformam quando se candidatam ou quando se elegem. E ninguém se candidata se não tiver já feito alguma coisa, promovido ou participado de algum ato público, contribuído com algum fato que tenha chamado a atenção do público. Se esses atos tiverem conseqüências de real importância ou projeção pública, serão fatos que, esses sim, poderão despertar nosso interesse. Eles, por si, desenharão a personalidade do candidato. E nos dirão se é possível ou não é possível confiar em suas idéias, nas enunciadas e, especialmente, nas que não são enunciadas em palanque, e na sua capacidade administrativa. Em suma: se essa gente toda dorme bem ou tem insônia, não é de nossa conta.

 

      Mas, porque desde sempre espremidos entre um romantismo tupiniquim encruado e o realismo das corporações internacionais, como temos o que temos e somos o que somos, nada me impede de (me) perguntar e tentar (me) responder se e por que diabos as experiências da ex-Ministra de Lula, ex-católica, ex-petista e ex-verde Marina Silva, místicas ou não, poderão ser consideradas tão importantes para o público.

 

      Paro por aqui para ninguém se cansar. Em seguida, há um segundo pedaço disso mesmo.

 

***

 

OS UNGIDOS E SEUS REBANHOS – (II/4)

 MARINA II E IV

 

      Marina Silva esteve no programa do Jô Soares, contou suas histórias e terá deixado alguns eleitores satisfeitos, pois o objetivo desses eleitores será encontrar o nome de alguém que demonstre querer o Poder e seja capaz de derrotar a candidata do PT. Assim sendo, bastará que esse alguém tenha vontade de derrotar Rousseff e manifeste alguma capacidade de convencimento, não importando quais idéias orientem suas ações e seus objetivos. Ou qual ideologia esse alguém professe.

 

      Derrotar Rousseff nas urnas é o que alguns tantos pretendem. Ou dizem que pretendem. Esses alguns que nos dizem que pretendem ver Rousseff derrotada têm nomes. Talvez Marina também o pretenda (tenho eu cá minhas sérias dúvidas). Nem assim esses nomes todos significarão alguma guinada nos caminhos que o País já tomou. O nome da ex-Ministra de Lula despertará simpatias talvez porque consegue, por artimanhas, por uma engenhoca esperta qualquer, não parecer vinculado a experiências anteriores que causaram aos eleitores muitas decepções. E a expectativa é de que, sendo ela eleita, ou sendo eleitos aqueles que ela indique, possamos nos ver em situação melhor do que a que nos vemos hoje. Que é trágica.

 

      Algumas expectativas sem fundamento e/ou respaldo algum na realidade encaixam-se perfeitamente em um mais ou menos recente artigo de Fernando Gabeira –“ex”terrorista, “ex”comunista, “ex-PT”, “ex-PV”, “ex”-companheiro de Marina, “ex”-usuário de tanguinhas de crochê  (se “ex”-chincheiro já não sei bem, mas a idade pesa), um dos muitos “ex” de araque que colecionamos cuidadosamente em nossa galeria de iluminados, cuja verbosidade professoral nos desova em cima suas próprias experiências, convicções, expectativas e temores que “devemos” suportar e considerar como sendo “nossos” – pelo menos, como os “de uma nossa geração”. Gabeira nos diz, sabendo exatamente por que diz: “Parece ironia, mas se a oposição deixar também de fazer sentido, seja por uma tardia descoberta dos encantos da literatura ou pela recusa a analisar friamente os problemas nacionais, aí, então, estaremos perdidos. Só nos restará escolher entre o bom humor dos comediantes e o mau humor dos manifestantes, mas até neste caso um tipo de síntese conciliatória é desejável.” – http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,de-todos–os-picaretas-,1084409,0.htm

 

      Isso até se parece com uma ameaça. Mas não é. É apenas muito conveniente esse “se” de Gabeira, enunciado como “se” os encantos da literatura ou a recusa a analisar friamente os problemas nacionais já não estivessem consolidados como insana prática política de todos e qualquer um. Como “se” já não estivéssemos perdidos faz tempo. E como “se” exatamente nessa síntese de manifestações e comédias de mau gosto não estivesse o único “sentido” que uma “oposição” vem fazendo há muito tempo. Mais interessante ainda será esse seu “só nos restará”… que nos leva, necessariamente, a querer sustentar uma “oposição” nos moldes em que essa “oposição” se apresenta. Contra quê, exatamente, essa “oposição” se coloca? Se essa “oposição” deixar de fazer sentido, que falta nos fará? E, se nada mais faz sentido, exceto essa “oposição” e um Governo sem o qual essa “oposição” não existiria, qual sentido terá uma síntese conciliatória de bons e maus humores pontuais, que nem sequer oferece qualquer alternativa a ela mesma? Só nos restará, a nós, que, sem essa “oposição”, estaríamos perdidos, o bom humor dos comediantes e o mau humor dos manifestantes em síntese conciliatória exatamente por quê? Por uma única razão: porque somos incapazes de encontrar uma forma de bem administrar este País.

 

      Se neste País houvesse uma oposição de fato ao que significa o Governo atual e ao que significa essa “oposição” sem substância que não se lhe opõe, ela não seria uma oposição do “contra”, uma oposição choramingas, ao estilo já clássico do velho Partido Comunista que se infiltra até debaixo de nossas camas, mas uma oposição do “a favor”. A favor do Brasil. Reconheceria que o Brasil tem interesses que são absolutamente conflitantes com interesses que nos possam ser sugeridos desde fora de suas fronteiras. Poderia inclusive buscar uma proposta conciliatória a respeito de tudo o que nos falta para apresentar aos eleitores, porque tudo o que é novo é incipiente – mas essa seria uma proposta positiva, não negativa. Trataria a população como parte do Estado brasileiro, que merece respeito, não como uma afilhada do Governo ou como fiel platéia de seus malabarismos. O que é muito diferente da situação atual, em que todos são contra todos e contra tudo, mas não há oposição organizada. E como não há, de fato, oposição organizada alguma que possa dar um pontapé inicial de qualquer processo realmente novo, Gabeira, que é da “oposição”, saberá o que diz e exatamente por que o diz – não o dirá à toa.

 

      Nada me impede, ainda, que faça algumas perguntas meio básicas a muitos de meus amigos aflitos por encontrar um porto seguro para nosso País e por encontrar algo “novo” na política, uma ruptura com (tudo?) o que o colocou, absolutamente desarrumado, nesse vagar absolutamente sem rumo, e acreditam ter encontrado tudo isso em Marina Silva.

 

      – Rousseff alega que não há desemprego no País. A dupla dinâmica Marina /Campos reconhece as “conquistas” obtidas durante as gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e de Lula da Silva (2003-2010) – só não reconhece conquistas na gestão Rousseff. Teria Lula governado com um modelo diferente daquele de governou Fernando Henrique? Exatamente em quê? Rousseff governa com um modelo diferente do modelo Lula? Exatamente em quê? Por que Fernando Henrique e Lula estariam certos e Rousseff estaria errada? A dupla Marina /Campos alega que “o modelo atual de se fazer política não é o mais adequado para assegurar avanços”. No Roda Viva, Marina afirmou que “quando o País atingiu sua plena capacidade produtiva não temos mais para onde ir”. Por isso ela quer avançar de uma “maneira diferente” não apenas no campo da ecologia, mas nos campos econômico, social, ético e cultural. Se o modelo atual não mais é adequado é que esse modelo se esgotou. Se o modelo se esgotou é porque o Brasil atingiu sua plena capacidade produtiva. É por isso, então, que não há desemprego? Ou é por isso que há desemprego, que as “bolsas” isso e aquilo procuram, desde Fernando Henrique (pela iniciativa de Ruth Cardoso), contornar? Se houver (mais) desemprego no futuro, as reservas florestais o resolverão? É essa a “maneira diferente” em que avançaremos? Em que sentido? Em que direção? Qual seria o modelo ideal? Que avanços pretendem assegurar Marina e Campos? Avanços sobre quê?

 

      – qual vantagem haveria em trocar uma petista “ex”-terrorista dita “vermelha” por uma “ambientalista” intransigente, que, por luxo, quer impedir que se construam hidrelétricas, quer liquidar com o agronegócio, o único de vulto que ainda nos resta, e quer dar de bandeja ainda mais terras, terras nossas, para que indiozinhos mimosos plantem mandioca (??) com a bênção de “cientistas” considerados acima de qualquer suspeita?

 

      – Marina afirma que “o que está aí é uma governabilidade com base na distribuição de pedaços do Estado. Ninguém governa sem partidos mas se faz isso com base num programa. Discutindo idéias força você pode ter um governo de coalisão baseado em programa e não no toma-lá-dá-cá.” Tudo bem. Se não se governa sem Partidos e se não haverá distribuição de “pedaços do Estado” entre os aliados, como será dada a retribuição por alianças feitas? Ou essas alianças se farão gratuitamente? Cada aliado estará em uma área determinada da administração? A quem cada um deles pretenderia beneficiar prioritariamente? Essas áreas não são “pedaços do Estado”? Por que não? Ou todos os aliados estarão em todas as áreas em distribuição aleatória? Sendo assim, não haverá conflitos inconciliáveis entre as diferentes orientações e os diferentes objetivos? Como se resolverão? Ou nenhum aliado estará em qualquer área da administração? Então, quem estará?

 

      – O “programa” de Marina – não o da dupla, que ainda é nenhum – resume-se à questão que ela denomina como “sustentabilidade” – ou seja, o “ambientalismo”. Embora nenhum programa conjunto tenha justificado sua aliança com Campos – o que faz dessa aliança um acordo meramente pragmático – que peso, em relação a outras eventuais “idéias-força” de outros indivíduos, Partidos, ONGs, Associações diversas, poderá manter essa “idéia-força” da qual Marina diz que não abre mão em uma aliança qualquer baseada em um programa? Com que recursos Marina levaria adiante seu programa ambiental se é o único programa que enuncia? Com que autoridade? Qual setor deverá ser sacrificado para que haja tais recursos? Quem estará investindo no programa de Marina?

 

      – o apoio que se possa dar a Marina reflete uma simpatia confusa, equivocada, mas sincera pela cor de uma camisa que defende claros interesses supranacionais, ou apenas revela um certo tipo específico de daltonismo esquizofrênico que impede que percebamos quando a combinação de verde-amarelo-azul-e-branco, que, essa sim, devemos de fato defender, encontra-se ausente?

 

      – a turma que prega a bíblia dos crentes em que “dos males o menor” e acha que isso, mesmo que não nos leve à salvação, será uma “solução” para nossos problemas, acredita, mesmo, em que nossos problemas se resumem a ter o PT no Governo? Mas, por que e por quem o PT foi formado e foi eleito? Quem nos trouxe esse problema? Que espécie e que tamanho de mal, em cima dos males que o PT e, antes, o PSDB e, mais antes, e ainda durante, o PMDB já nos proporcionaram, essa turma acha por bem nos garantir como sendo algo melhor do que tudo o que estamos presenciando e vivendo hoje? Será melhor por quê? Melhor para quem?

 

      Diria eu que é exatamente em virtude da “pro-atividade” dessa turma de tolerantes, dos “oh, não sejamos radicais!”, de pachorrentos, de auto-iludidos, que estamos onde estamos e não encontramos forma de sair do buraco. Nem mesmo aquela que aquele burro, não tão burro assim, encontrou – o que subiu na terra que lhe era jogada em cima e o enterraria vivo, e saiu pastando.

 

      Paro, de novo, por aqui para ninguém se cansar. Em seguida, um terceiro pedaço disso mesmo.

 

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OS UNGIDOS E SEUS REBANHOS – (III/4)

MARINA I E III 

 

      Não vi a entrevista de Marina no programa do Jô Soares. Era dose dupla, demais para minha saúde. Mas reconheço que se tornou uma “celebridade”, sei que tem o apoio de muitas “celebridades”, sei dos cargos que exerceu, das medidas que tomou, li o artigo de Ruth de Aquino na revista Época – que nos diz do “discurso da ética” de Marina, que ela será “respeitada com o que Deus lhe deu” e que “o eleitor não poderia arranjar outra igual para embaralhar o jogo sonolento da sucessão em 2014” – e vi Marina no Roda Viva (http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/marina-silva – de onde retirei a foto que, pelo direito e pelo avesso, ilustra esses textos) sendo rasteiramente questionada por simpáticos entrevistadores a respeito de princípios, fins e, principalmente, meios. 

 

      Segundo Ruth de Aquino, “no caso de Marina, a biografia conta muito, no mínimo para que [ela, Marina] seja respeitada como pessoa, no pântano de nossa politicagem”. No caso dos demais, então, a biografia não contará? Por quê? De onde saiu Marina? Que há de tão importante na biografia de Marina, essa flor tão pura que só encontrava o pântano ao redor de si e pôde vir à luz fora dele?

 

      Os fatos que conhecemos pela Imprensa cotidiana já rebateriam e desautorizariam qualquer razoável expectativa com relação às idéias da possível candidata à Presidência ou à Vice-Presidência da República em 2014 (o que ainda não foi definido e não se sabe quando o será) a respeito desta coisa pública que, em tese, tem dono. A começar por ter ela mesma – ela, que foi candidata à Presidência em 2010, há recentes três anos, pois – ter dito e repetido no Roda Viva: “Não tenho como objetivo ser Presidente da República. O objetivo da minha vida não é ser Presidente da República“. Qual será o objetivo de Marina, então?

 

      Sendo seu objetivo apenas “trazer idéias para melhorar o país”, por que Marina se candidata a um cargo executivo e não ao Congresso, para que essas idéias possam ser levantadas e discutidas? E quais idéias seriam essas? Se a ideologia de Marina, a que permitiria que ela quisesse “melhorar o País”, é uma escolha de Marina e não o que determina suas escolhas, por que não deveria ser discutida? Como Marina se impôs na Política, ou seja, qual sua trajetória como pessoa pública, com quem e com que já se comprometeu, com quem e com que hoje se vê comprometida? Quais foram as demais escolhas de Marina? Quando foram feitas? Em nome de quê? Não, não haverá necessidade alguma de ler sua biografia para conhecê-las.

 

      O fato de que Maria Osmarina da Silva Vaz de Lima tenha nascido no Acre e seja filha de cearenses seringueiros nos diz apenas que ela é acreana e filha de cearenses que migraram para colher borracha na Amazônia – nada mais nos diz, nem de bom, nem de mau. De ter aprendido a ler aos 16 anos e ter completado, pelo Mobral, em quatro anos, o primeiro e o segundo graus, só nos poderá dar orgulho do Mobral (criado pela Lei n° 5.379, de 15/12/ 1967) e de quem o concebeu. Seria um projeto excelente, quase fantástico. E, em tese, foi. E muita gente conseguiu fazer o que Marina fez graças ao Mobral. Ter Marina trabalhado como doméstica e ter recebido salário por isso é ter conseguido algo que nem toda mulher, mesmo de média classe-média, consegue – em geral, esse serviço não é remunerado. Aliás, o Governo anda fazendo tudo e mais um pouco para acabar com essa possibilidade de renda familiar. Ter contraído cinco malárias e duas hepatites e salvar-se da morte é algo que se deve à sua genética, aos cuidados que recebeu ou à sorte. Formar-se em História muita gente, bem ou mal formada, também se formou e ainda se forma. Querer ser freira não é mérito. Nem demérito. Poderá parecer estranho a alguns, e muito normal a outros tantos. Não ter sido uma freira também não é mérito. Nem demérito. É uma escolha. Virar marxista, apesar de também poder parecer meio estranho aos mais inteligentes, pode ser considerado normal, tanto por influência da Igreja Católica quanto por influência do Curso de História. Em seguida, sem desvirar do que já tinha virado, ter virado evangélica apenas denota confusão mental. Ter filhos, um, dois, quatro, uma dúzia, também não é mérito. É vontade ou descuido.

 

      Prossegue Ruth de Aquino – colunista, blogueira, repórter e fã da ex-Ministra de Lula – nos dizendo que Marina foi “a mais jovem senadora do Brasil, aos 35 anos”. Antes, pois, terá feito uma campanha política, possivelmente já enfrentando madeireiros e fazendeiros – mas enfrentar “cangaceiros”, tal como diz a cronista, é outra coisa. Imagino que pretendesse dizer “capangas”, “jagunços”, não “cangaceiros”. Jagunços, Floriano os enfrentou e ninguém gosta de Floriano. Cangaceiros, quem os enfrentou foi Getúlio; e, se quase ninguém hoje se lembra ou gosta de se lembrar do Estado Novo, os cangaceiros já foram consagrados como revolucionários por Hobsbawm – que é sempre levado muito a sério. Por fim, “Lula a nomeou ministra do Meio Ambiente. Saiu derrotada e desgastada cinco anos depois, em briga com a mãe do PAC, a então ministra Dilma Rousseff”.

 

      No Roda Viva, quando foi perguntada por que teria saído do PT, Marina respondeu que saiu do Partido (após 30 anos de militância!) “em função de divergências no que concerne à agenda do desenvolvimento sustentado”. Perguntaram: “Não ficou suficientemente impressionada com o escândalo do mensalão?” Respondeu: “Nunca cheguei nem perto dessa história do Mensalão. Fazia o meu trabalho na área ambiental e saí do PT porque via o Presidente Lula sendo induzido a revogar as medidas do Plano de combate ao desmatamento”. E, perguntada sobre como dar fim à corrupção, respondeu que “a corrupção vai acabar quando se transformar em um problema nosso”. Mas… a corrupção era ou não era problema de Marina quando ela compunha o Governo de Lula… que ela faz questão de continuar chamando de “Presidente”?

 

      A primeira idéia que já se extrai das declarações de Marina é a de que, desde que na área ambiental possa ser feito o que ela pretende que seja feito, pouco lhe importam as “histórias” de corrupção”.

 

      Quanto aos conchavos para conseguir o Poder simplesmente pelo Poder, que Marina repudiaria, Marina tinha ou não tinha identidade com o Partido que a lançou à vida pública – o PT? O único “conflito de consciência” que encontraria quando no poder, como Ministra de um Governo do PT, foi, segundo o que ela mesma nos disse, ter que conviver com Mangabeira Unger por determinação do “Presidente Lula” (insisto: assim Marina continua referindo-se ao ex-Presidente). Se defende a ecologia com garras e dentes, quais conflitos de consciência teria enfrentado no Partido Verde, para o qual migrou e do qual, em seguida, também se desligou? Quais conflitos enfrenta Marina ao conversar com seu marido, até hoje secretário adjunto de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis no governo do petista Tião Viana? Ele já afirmou em rede social: “Vou pedir demissão não. Pelo menos este ano. Apoio e trabalho para o Tião Viana com muito orgulho.”

 

      E a filiação de Marina, a iluminada, ao PSB foi ou não foi nada mais que um conchavo para conseguir o Poder pelo Poder? Um conchavo com o candidato Campos, que pretenderá exatamente a mesma coisa – o Poder pelo Poder – e nada mais que isso. Tanto assim que refez suas alianças anteriores ao adotar Marina como aliada. E ainda está tentando descobrir como explicar em que se difere de Dilma e de Aécio. Marina, por sua vez, declara, sem demonstrar qualquer sombra de constrangimento ou de vergonha, que sua filiação é de faz de conta. Afora seus outros conchavos bem mais graves e mais danosos ao País que este, que não confessa.

 

      E paro, mais uma vez, por aqui para ninguém se cansar. Em seguida, um quarto pedaço disso mesmo.

 

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OS UNGIDOS E SEUS REBANHOS – (IV/4)

MARINA II E IV 

 

      Muita gente anda sinceramente preocupada com os flagrantes rumos tortos que nosso País tomou já há algum tempo, e está convencida de que precisamos impor um Governo que mantenha uma agenda séria voltada principalmente às necessidades da Sociedade, à valorização da Educação, da Saúde, da Segurança Pública, das Forças Armadas, garantidoras de nossa soberania e de nossa integração territorial; de que precisamos confiar em que as medidas econômicas tomadas não nos coloquem novamente em colisão com a superinflação; de que devemos dar fim à corrupção desenfreada na política, que se justifica, visando à tal da Governabilidade, somente porque a agenda governamental não supre as reais necessidades da Sociedade e porque elegemos um Congresso corrupto.

 

      Muito antes de que nos entendêssemos por gente, o nosso povo, que pelo menos algum dia já soube que era o Brasil e nada mais, já gritava nas ruas um “abaixo a carestia” acompanhado de um “abaixo a corrupção” ou coisa muito parecida. Tudo isso é um prato repleto de petiscos cheirosos que atrai qualquer demagogo, que chega a salivar de boca aberta antes de pôr-se a saboreá-los. Porque são idéias-fim que, embora sejam válidas, estão esparsas, sem concatenação e nada indica os meios que devem ser utilizados para que elas se tornem realidade. São o enunciado pelo enunciado. A realidade nua e crua é que até hoje ninguém conseguiu, exceto por alguma medida muito drástica e considerada, pelos muito sensíveis e muito inspirados, muito antidemocrática, fazer que esse nosso País andasse um pouco para frente, e não continuasse a se arrastar de lado (ultimamente ele vem andando para trás…). Porque o Brasil é um País do samba de uma nota só, dos temas minimalistas, das grandes metáforas, das maquiadoras, dos eufemismos.    

 

      Qual expectativa podemos ter de um Governo nacional eleito por um povo que idolatra modelos supranacionais, que adota uma ilusória identidade regional forjada nas últimas décadas, que exalta os que se dizem ungidos por bênçãos divinas, que exulta ao ver-se fatiado por cotas raciais, que se apoia em detalhes da vida privada de candidatos para escolher o mais simpático, que espera que suas engenhocas eleitorais sejam lançadas no mercado para comprar a mais sonora?

 

      Ideologia é um elemento eminentemente político, não econômico. Muitos daqueles que, mesmo antes do tão alardeado “fim das ideologias”, já entendiam errado o significado dessa palavra, atribuindo-lhe uma conotação específica “de esquerda”, com a ampliação dos mercados nas últimas décadas passaram limitá-lo ainda mais. Assim, a palavra perdeu importância e pôde ser aposentada. Quando a palavra ressurge, por qualquer motivo, sem que se revele em sua complexidade e sua especificidade, ser-lhe-á atribuído, no máximo, um valor equivalente ao de uma escolha entre meios e métodos que possam ser usados para um mesmo fim – que será a “salvação da humanidade” – quando não signifique apenas uma escolha de palavras que possam ser usadas por diferentes indivíduos para enunciar “o” discurso da atualidade, um único discurso que traduz um único pensamento que procura organiza a realidade. Ninguém poderá ser nacionalista e supra ou internacionalista ao mesmo tempo. Mas algumas palavras se tornaram tabu, umas serão malditas, outras benditas, umas serão simpáticas, outras antipáticas.

 

      Nessa confusão de palavras, alguns imaginam que o vilão da nossa história seja um individualismo que surge entre nós por combustão espontânea e vem sendo capaz de queimar qualquer boa intenção e qualquer boa Política. Outros se sensibilizam com o enunciado de que “nosso sistema” é “distorcido e perverso, indutor de criminalidade” e consideram que esse “sistema” deva ser substituído por outro “sistema” bem recomendado, que seja mágico e puro. Outros mais acreditam que o grande problema brasileiro se resume em que não se exige seriedade dos políticos e não se impedem os conchavos para que o Poder seja obtido simplesmente pelo Poder. O que é, sim, mas não é, não, um mero jogo de palavras: não permitir que o Poder seja desejado e obtido meramente pelo Poder requer o enunciado de objetivos, programas e projetos quando “os políticos” estejam em campanha, para que esses objetivos, projetos e programas possam ser analisados pelo eleitor e comparados com os demais objetivos, programas e projetos dos demais candidatos; exige que certas facilidades desfrutadas por aqueles que representam o Poder público não sejam usadas para que eles mesmos se mantenham no Poder pelo poder; exige que certas facilidades oferecidas pela fortuna acumulada por determinados indivíduos e determinados grupos – que têm Poder – não desvirtue, por meios lícitos ou ilícitos, a discussão daqueles projetos todos. Exige que a Política seja sempre praticada como um “sacerdócio”, desvinculada de interesses. O que é uma utopia, pois.

 

      Ao buscar o Poder, teremos necessariamente um objetivo político e um objetivo econômico, em maior ou menor amplitude dependendo da nossa identidade (uma questão ideológica) e dos interesses que essa identidade nos impõe. Não somos todos filósofos, mas somos todos políticos. A Política é feita no dia a dia, pelos eleitos e pelos eleitores, mas nunca alguém será capaz de tomar atitudes políticas “pela Política”, não mais, embora alguns pretendam poder fazer arte pela Arte.  

 

      E para cada música, haverá um reco-reco. Voltando a Marina, a ungida entre os ungidos – que de fato demonstra ter uma enorme coragem, coragem insana que lhe permite que nos diga tudo o que nos diz, de cara limpa, até mesmo que terá sido agraciada de maneira especial por entidades sobrenaturais -, desculpem-me, mas, esteja ela bem ou mal pintada ou sem pintura, só nos resta nos pôr ou continuar de mal com ela. Mas não apenas com ela. O que de verdade nos resta para que não mais prossigamos perdidos como já estamos é ficar definitivamente de mal com todos e quaisquer candidatos ou ex-candidatos cujos “projetos” e “programas” se resumam a apenas manter ou apenas conseguir o Poder pelo Poder, pois envolvem uma mesmice crônica que não se confunde, em absoluto, com qualquer interesse público; é ficar de mal com todos aqueles que nos exortem a ter uma fé absurda e gratuita em bons demônios e em uma reza braba qualquer que, sendo feita em coro, pudesse exorcizar maus demônios de plantão.

 

      Essa já “velha política” não se perpetua porque os que a representam brilhem com luz própria e ninguém os consiga apagar. Perpetua-se porque esperamos um “nome” que nos leve à terra prometida, porque justificamos, a cada momento, com nossa fé em um nada que se oponha a um coisa nenhuma e com nossos atos, o fato de que eleitos e candidatos à eleição possam conchavar à vontade, seja para manter o Poder pelo Poder, seja para submeter o interesse público aos caprichos do interesse supranacional, seja para implementar a “sua” agenda política, seja para comprar o que alegam ser o interesse público. Desde quando o interesse público permitiria a compra de votos na urna ou no Congresso? Desde quando o interesse público justificaria a fragmentação nacional? Desde quando o interesse público permitiria a alienação de terras nacionais? Desde quando o interesse público justificaria a massificação intelectual em todos os níveis? E por aí vai a coisa. Ninguém que seja hoje eleito pela vontade pública (ou por forças sobrenaturais…) representará qualquer “nova política” ou qualquer “ruptura com a velha política”. Porque, enquanto estivermos buscando um nome certo entre raposas erradas e não nos dispusermos a elaborar projetos nacionais com um mínimo de consistência e coerência, sabendo definir exatamente qual seja o nosso objetivo, seguiremos no mesmo rumo em que estamos, cavando o mesmo buraco embaixo de nossos pés. Essa é “a dura realidade”.

 

      Francamente, já não nos cansamos disso?

 

      Queremos votar? Votemos. Com raiva, com alegria, com asco, com entusiasmo, com conforto, com desconforto, com certeza, com desconfiança, tanto faz. Afinal, dizem que eleições são a essência da democracia. E o voto é um direito de todos e um dever de alguns. Mas não justifiquemos mais ainda, mais uma vez, o absolutamente injustificável. Que ele se faça, mais uma vez, pois não temos alternativa – mas não o justifiquemos. Muito menos justifiquemos qualquer campanha que nada nos traga de novo, cuja absoluta falta de substância será capaz, isso sim – e que considerem essa possibilidade os que pretendem, com seu voto, derrotar Rousseff -, de dividir os eleitores que se colocam contra o Governo atual, ajudando-o a novamente ser vencedor nas próximas eleições. O que, para todos nós, não significará qualquer vantagem ou qualquer desvantagem adicional. Significará apenas que o mesmo jogo se manterá com o mesmo Partido, não com outro qualquer, no Poder.

 

      Seja qual for o resultado das próximas eleições, o caminho será o mesmo, na mesma direção, porque não temos – e não temos porque não nos preocupamos com ter – qualquer alternativa ao que se ia e ainda se vai plantando com nosso consentimento; porque nada plantamos, nós mesmos para nós mesmos; porque nas últimas décadas aqui foi só plantado erva daninha, nem sequer capim de pasto; porque, aqui, onde em se plantando tudo dá, o que se plantou está sendo e será colhido. Por todos nós. Essa é “a dura realidade”. Realidade que a condenação e a prisão de meia dúzia de “mensaleiros” não altera, que ninguém muito se anime com essa “faxina”. Realidade que é estrutural, não se resume a um conjunto de problemas pontuais e não decorre de qualquer “sistema” extraordinariamente brasileiríssimo. Em qualquer lugar do mundo, sob as mesmas condições, sob os mesmos estímulos, essa estrutura se faria igual. E não será qualquer engenhoca política esperta que a resolverá. Nem por isso, porque justificada está, será moral, será justo, será lícito ou será preciso mantê-la.

 

      Se tivessem sido bem cuidadas as boas sementes – o que não dependeria, em absoluto, de agronegócio algum, mas apenas de boas cabeças, boa intenção, bons valores e de um bom projeto nacional –, aí sim, poderíamos ter alguma expectativa de que tudo aquilo que algum dia se alterasse se alteraria para melhor, em nosso próprio benefício. As boas sementes não foram bem cuidadas. Mas não morreram. Ainda sobrevivem, tentando brotar das frestas desse nosso terreno tão inóspito, onde puderam se abrigar. E sempre há de sobrar tempo ao tempo.

 

      Por isso mesmo, paro por aqui. Embora qualquer dia desses possa voltar a aborrecer com outros pedaços disso mesmo, que aqui não termina nem tão cedo terminará. Mas não agora. Agora, não. Depois. Para que ninguém se canse.

 

 

 

 

  

  

 

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