TAMANCADAS

 

 

 

 

     Se já há quem se preocupe com “acompanhar de perto a vida evolutiva” das palavras, sejam elas novas, muito novas, velhas ou muito velhas, pratiquemos um esporte que já foi, no passado, considerado muito saudável: vamos ao dicionário, por favor, que, em geral, é e deveria continuar sendo algo confiável – ou, pelo menos, assim ele era…

 

olimpíada – substantivo feminino (1561)

1 cron cada um dos intervalos de quatro anos entre dois jogos olímpicos pelos quais o tempo era contado na Grécia antiga

2 desp hist m.q. jogos olímpicos (mais us. no pl.) inicial freq. maiúsc.

3 competição (de algum esporte ou jogo), que se repete em épocas determinadas (mais us. no pl.) ‹o. de xadrez, o. escolares›

4 competição em que se demonstra o conhecimento em uma área do saber ‹o. de matemática, de química›

Etimologia – lat. olympĭas,ădis ‘espaço de quatro anos; olimpíada’, der. do gr. olumpiás,ádos ‘id.’; cp. olimpíade, pelo padrão latinizante; f.hist. 1561 olympiada

(http://houaiss.uol.com.br – que já adotou a nova ortografia…)

 

    Assim era, assim sempre foi. Até agora.

 

    Se ainda nos for permitido – tal como a tanta gente continua sendo, especialmente na Política e na Economia – usar metáforas ou apelar a sentidos figurados, diremos que a mais recente tamancada que nos atinge a moleira é, além de “divertida” (?), verdadeiramente “olímpica”, ou seja, “de aspecto grandioso, majestoso, sublime”, conforme o termo é definido pelo mesmo dicionário citado acima (Etimologia – lat. olympĭcus,a,um ‘olímpico, de Olímpia’; f.hist. 1572 olimpica).

 

    Saibam todos, antes que alguém seja alvo não só da tamancada como também de um processo judicial por apropriação indébita, que as palavras “olimpíada”, “olímpico” e, por certo, quaisquer outras derivadas da mesma raiz poderão ter um dono – é isso aí: um dono – e, assim, não poderão ser utilizadas por qualquer um, a qualquer hora, gratuita e impunemente. Pelo menos aqui, neste Brasil que se vê ao Deus dará desde que se entende por gente. Enquanto o nome do País, sua Bandeira e suas cores são vistos em qualquer lugar, usados por qualquer um, de qualquer jeito, com qualquer intenção, o uso “da palavra ‘olímpicos’ e dos cinco anéis olímpicos estilizados por uma pesquisadora da USP já pôde ser considerado “indevido” e motivar uma “notificação extrajudicial” e uma ameaça de “multa e até detenção”.

 

    Isso acontece por quê?

 

    Porque o mundo se fez outro, ora, e alguns de nós, por aqui, muito espertos que somos, obedecemos sem piscar às diretrizes impostas pelo avanço da humanidade e corremos a impor obediência aos demais, aqueles que são tolos por inteiro ou só se fazem de tolos;

 

    porque os dicionários, assim como as gramáticas, de nada mais nos vêm servindo, faz tempo, e também poderão ser acusados de estar superados, quando não absolutamente obsoletos (qualquer dia desses serão queimados em praça pública sob aplausos, tal como muitos livros “velhos”, contendo lições “erradas”, recentemente já foram). Quem insistir em usá-los como referência (e, talvez, quem insistir em usar a própria língua oficial do pedaço) poderá ser discriminado com amparo da lei e/ou ser recolhido a uma instituição de re-socialização;

 

    porque alguém, de alegre, não sabemos bem onde, determinou que aquelas palavras sejam de uso “privativo” dos comitês Olímpico e Paraolímpico. Seriam elas umamarca”, “propriedade do COI” (Comitê Olímpico Internacional), ao qual se subordina o COB (Comitê Olímpico Brasileiro), que é administrado por uma “autoridade” iluminada que, politicamente correta, obedece a ordens superiores, embora pareça só fazer o que bem quer e dizer o que bem entende tal como todas e quaisquer “autoridades” que se dão bem agindo em nome da paz universal da qual também deve cuidar o espírito olímpico em seu estado de pureza atual, aquele em que “não esteja vinculado a questões comerciais”,

 

    e, ora, ora, porque nós merecemos, portanto, permitimos tudo isso e o céu também! Por vezes, até agradecemos, penhorados, os cuidados alheios com o que, um dia, foi de nossos livres alcance, arbítrio, uso e fruição.

 

    Se não merecêssemos tudo isso e o céu também, não nos indignaríamos e reagiríamos espantados apenas quando as tamancadas que nos tiram do prumo fossem tão violentas a ponto de deixar os (semi)mortais doutores cientistas atordoados e embaraçados com os limites que possam ser impostos aos títulos de suas necessárias e importantes pesquisas; se não permitíssemos, essas tamancadas incríveis, fantásticas, extraordinárias todas não nos cairiam em cima cotidianamente, sem pausa para que pudéssemos ao menos respirar. Ninguém se atreveria sequer a aventá-las, muito menos a sugeri-las, menos ainda a executá-las ou a exigi-las.

 

    Tudo explicado, então?

    Então, está bom. É isso. E, como é, tudo deve estar muito certo.

 

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JC e-mail 4647, de 17 de Janeiro de 2013. 

Comitê olímpico quer barrar termo ‘olimpíada’ em torneio educacional 

Em carta, associações de cientistas do país classificam a ação como “despropositada”

O COB (Comitê Olímpico Brasileiro) está se movimentando juridicamente para impedir que universidades e associações de pesquisa usem a palavra olimpíada em suas competições educacionais. A atitude provocou protestos das principais associações de cientistas do país.

No fim de 2012, a Unicamp foi notificada extrajudicialmente pelo comitê devido ao uso supostamente indevido do termo em um dos eventos organizados pela instituição, a Olimpíada Nacional em História do Brasil.

O texto diz que o uso das palavras olimpíada e jogos olímpicos “é privativo” dos comitês Olímpico e Paraolímpico do Brasil. Organizadores de várias outras olimpíadas educacionais, como a de português e de astronomia, receberam notificações semelhantes.

Em carta aberta enviada nesta semana a Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciências) classificaram a ação como “despropositada”.

No Brasil existem cerca de 20 olimpíadas educacionais nacionais.

Reação

A presidente da SBPC, Helena Nader, disse que os cientistas não vão abrir mão do uso da palavra. “Eles [o COB] estão querendo ter o monopólio da palavra e isso nós não aceitamos. Olimpíada científica é um conceito internacionalmente consagrado. A sua proibição aqui só é prejudicial para o conhecimento”, afirmou.

Jacob Palis, presidente da ABC, lamentou a iniciativa em um momento em que o Brasil é destaque na área. “Nós recebemos, no ano passado, a Olimpíada Mundial de Astronomia. Agora há pouco, tivemos um jovem brasileiro [Matheus Camacho, 14] ganhando uma medalha de ouro em uma das maiores competições do mundo, a Olimpíada Internacional de Ciência. A decisão do COB é equivocada”, disse.

A Unicamp afirmou que continuará usando o termo para designar a competição.

Para Mônica Guise Rosina, professora de propriedade intelectual da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, a notificação sobre a exclusividade do termo é “tecnicamente possível, mas absolutamente descabida”.

“Essa terminologia já é usada há anos para as competições científicas. O problema seria se houvesse o risco das pessoas confundirem um evento com o outro.”

Outro lado

Em nota, o Comitê Olímpico Brasileiro afirmou que as cartas enviadas às instituições de ensino têm “caráter educativo”, para garantir que “o termo ‘olimpíadas’, que é uma propriedade do COI (Comitê Olímpico Internacional), não seja vinculado a questões comerciais”, completa.

A entidade disse à Folha que estuda autorizar o uso do termo para fins educacionais, como é o caso da olimpíada organizada pela Unicamp.

De qualquer modo, para evitar problemas, algumas competições já abandonaram o termo. É o caso da antiga Olimpíada Brasileira de Foguetes que, após ser notificada pelo COB, virou Mostra Brasileira de Foguetes.

“Já temos trabalho demais para montar os eventos. Não dispomos de tempo e dinheiro para ficar brigando com o COB”, diz João Bastista Canalle, organizador da mostra. A decisão do COB contraria os ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação, que realizam olimpíadas educacionais. O ministério da Ciência disse, porém, não ter recebido qualquer notificação do COB. Só a Olimpíada Brasileira de Matemática nas Escolas Públicas teve, em 2012, quase 20 milhões de inscritos.

Outros alvos

Além das competições educacionais, livros e até uma rede de supermercados foram alvos de notificações do COB (Comitê Olímpico Brasileiro). A professora e pesquisadora da Escola de Educação Física e Esporte da USP Katia Rubio recebeu em janeiro de 2010 uma notificação extrajudicial determinando o recolhimento de seu livro “Esporte, Educação e Valores Olímpicos” em até dez dias.

O COB a acusava de uso indevido da palavra “olímpicos” e dos cinco anéis estilizados na capa. O não cumprimento da determinação poderia render multa e até detenção.

Semanas depois o COB reconheceu que o livro era uma produção intelectual destinada a disseminar “o valioso conhecimento sobre o Olimpismo”.

Rubio tem 15 livros escritos e organizados na área de psicologia do esporte, e algumas das publicações anteriores já tinham termos ligados aos Jogos Olímpicos nos títulos.

O livro que foi alvo de notificação do COB, porém, foi lançado perto do anúncio de que os Jogos Olímpicos de 2016 seriam realizados no Rio.

Em 2009, os Supermercados Guanabara lançaram uma campanha publicitária intitulada “Olimpíadas Premiadas”, protagonizada pelos atletas Diego e Daniele Hypólito.

O comitê tentou impedir a publicidade, mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu que não houve demonstração de que a empresa quis se passar por patrocinador oficial do evento esportivo.

“O COI é proprietário das marcas e autoriza seu uso em cada país, mas é preciso ter bom senso. O caso do supermercado abre um precedente legal porque analisou que não houve má-fé, e nem a Unicamp tem interesse comercial algum com a Olimpíada de História”, afirma Alberto Murray Neto, advogado de Katia Rubio e ex-membro do COB.

(Giuliana Miranda e Mariana Versolato – Folha de São Paulo)

 

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http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=85408

JC e-mail 4645, de 15 de Janeiro de 2013. 

Restrição ao uso da palavra “olimpíadas” causa espanto e indignação 

SBPC e ABC se manifestam em carta encaminhada ao COB

 

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) encaminharam carta ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, em defesa da liberdade de uso da palavra “olimpíadas” para designar competições científicas.  O documento classifica como despropositada a proibição do COB nesse sentido.

As instituições argumentam que a palavra é empregada mundialmente para designar competições científicas como International Mathematical Olympiad, Math Olympids for Elementray and Midde Schools, The British Mathematical Olympiad Sibtrust, e  Science Olympiad.

A seguir, transcrevemos a íntegra do documento:

 

“Ilustríssimo Senhor

CARLOS ARTHUR NUZMAN

Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB)

Senhor Presidente,

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entidade civil, sem fins lucrativos nem cor político-partidária, que atua em defesa do avanço científico e tecnológico do Brasil e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), receberam com espanto e indignação a informação de que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) notificou extra-judicialmente a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pelo uso supostamente indevido da palavra “olimpíada”, no nome da competição que organiza, a Olimpíada Nacional em História do Brasil.

Ninguém ignora a importância dessas competições científicas – no país já existem 18 delas – para a divulgação da ciência e o aumento do interesse dos jovens pelas atividades científicas, o que é fundamental para o desenvolvimento tecnológico de qualquer nação e o bem estar econômico e social de sua população.

Sem esquecer que jovens que vencem as olimpíadas nacionais depois vão participar de competições internacionais. E muitos deles têm se destacado, contribuindo para divulgar o nome do Brasil e da ciência e educação do país. É o caso, por exemplo, do jovem Matheus Camacho, de 14 anos, aluno de uma escola de São Paulo, que acaba de conquistar em Teerã, uma medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Ciências, concorrendo com estudantes de 28 países.

Por isso, a proibição do uso da palavra “olimpíadas” para designar competições científicas é uma situação que se configura mais despropositada ainda, quando se sabe que a palavra é empregada mundialmente para designar competições científicas, tais como International Mathematical Olympiad, Math Olympids for Elementray and Midde Schools, The British Mathematical Olympiad Sibtrust, Science Olympiad, entre muitas outras.

Assim, a SBPC e a ABC não concordam com a decisão do  COB de ter a exclusividade do uso da palavra “olimpíada”, pois significará um retrocesso trazendo em prejuízo a todas as tradicionais olimpíadas educacionais (matemática, ciências, língua portuguesa, química, astronomia entre outras) que se realizam no Brasil há anos.              

Sempre prontas a defender a ciência e a educação brasileira, a SBPC e a ABC subscrevem,

Atenciosamente,

Helena B. Nader – Presidente da SBPC

Jacob Palis – Presidente da ABC “            

 

  

 

 

 

 

 

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